Coluna: O encontro das letras – edição 1272

Gregório de Matos Guerra, expoente máximo do Barroco brasileiro na literatura, escreveu um belo soneto intitulado “A Jesus Cristo Nosso Senhor”. Numa livre adaptação, ele assim o disse: “Pequei, meu Deus! Não que eu quisesse pecar, nem me desfazer do Vosso perdão! No entanto, quanto mais peco, mais empenhado Vos faço em me perdoar. Sei que ficais bravo quando peco, mas quando choro arrependido e clamo pela Vossa clemência, Vosso coração se enche de amor e vontade de me perdoar. Nada dá mais prazer ao pastor que recuperar uma ovelha perdida. Eu sou, Senhor, ovelha desgarrada! Ides atrás dela, para que não percais nesta ovelha a Vossa glória”!
Creio que o que nos torna pecadores é a nossa consciência do pecado. Os nativos brasileiros que comiam carne humana, por tradição e cultura, cometeram pecado? Os mulçumanos que mataram milhares de cristãos, também pecaram? E os cristãos que, bárbara e cruelmente assassinaram milhões em nome da fé em Cristo, pecaram?
Uma criança, que espreme um filhote de gato com as mãos ao brincar com ele, comete pecado? Aquele que furta um pão na prateleira de uma padaria para alimentar um filho faminto, peca? Aquele que vê um grandalhão espancando uma pessoa na rua e nada faz para ajudar o agredido, é pecador ou cauteloso?
Qualquer ato ou ação que fira sua crença, seu livro sagrado, os mandamentos divinos, é considerado pecado. No entanto, o pecado maior é o desrespeito à fé, crença e cultura do outro. Por isto existem as leis de cada país. Para garantir a ordem, o respeito e a vida do cidadão, independente de religião, fé ou crença. Se a religião não permite a transfusão de sangue para salvar a vida do praticante, a lei o obriga; se permite que um homem tenha mais de uma esposa, a lei não reconhece.
Claro, que alguns países aplicam leis baseados exclusivamente em seus livros sagrados. Estariam eles em pecado?
Falar em pecado é fácil. O problema é o perdão! Eu tenho muita dificuldade para perdoar. E isto não é bom…
Todos temos nossos pecados. Tenho muitos. Pago um preço alto por eles. Será que Deus me perdoou? Alguns pecados ainda persistem em mim, dentre eles a preguiça e o desejo de vingança. Mas, tenho procurado melhorar, explorar o lado bom que existe em mim e dividi-lo com os que me rodeiam.
E o perdão é coisa de Deus. Santo Tomás de Aquino disse: “Para aquele que tem fé, nenhuma explicação é necessária. Para aquele que não tem, nenhuma é possível”!
No filme “ÊXODUS”, Deus é mostrado no corpo de uma criança. Entretanto, é mostrado como uma criança vingativa, rancorosa, má, que manda as sete pragas destruir os egípcios e “amaciar” o coração do faraó. Em outro filme, “NOÉ”, Deus destrói bilhões de seres com o dilúvio. Já, em “Jesus de Nazaré”, Deus perdoa a todos, permitindo, inclusive, que seu filho, ou seja, Ele próprio, seja surrado, torturado e morto. Ao “sofrer” tanto assim, na pele de Jesus e ainda perdoar seus algozes, estaria Deus pregando o perdão, o amor, ou estaria Ele pedindo perdão?
Este meu questionamento poderá provocar a ira de vários “cristãos” fervorosos. “Como assim, Deus pedir perdão? Você está louco?” E veja que nada afirmo, apenas questiono…
Interessante observar que menos de 1/3 da população mundial acredita que Jesus Cristo é o filho de Deus. Ou seja, os cristãos adeptos do Novo Testamento são minoria! E destes, um menor número ainda, mesmo crentes em Jesus, dariam a outra face para o tapa, quando sofressem agressão!
Outro fator interessante é o dos “cristãos” que insistem em afirmar que você precisa ser salvo! Que precisa ter um encontro com Deus, que Jesus é o caminho! Como se você fosse o maior dos pecadores, que não acreditasse em Deus! Para estes, não há lógica, a não ser a deles! Eles não se acham superiores aos outros! Eles têm certeza que são! Não vou nem entrar na questão dos exploradores da fé…
Um filho perdoa os pais pelas “surras” sofridas na infância e adolescência. Se não perdoam, aceitam resignados, se conformam. E os pais? Perdoam os filhos por uma traição? Pois é… É mais difícil, pois, neste caso, entram outros valores como gratidão, lealdade, confiança. Apesar de não serem boas referências, as novelas globais têm mostrado isto: filhos que traem pais, que furtam, roubam, desprezam, matam. Merecem perdão, filhos assim?
Lembro-me de um filme de Mazzaropi. Os pais, jecas da roça, criaram o filho com todo sacrifício, sofreram muito para que ele se formasse em medicina. No dia da formatura, o filho, com vergonha deles por serem pobres e jecas, não incluiu os nomes deles na lista de convidados. Eles ficaram fora, olhando pela janela a grande festa, o baile, a conquista do filho ingrato. No entanto, eles estavam felizes. Mas o choro deles era de tristeza… No final, acabaram por perdoar o filho. Você perdoaria?
Tenho pena daqueles que, um dia, fizeram mal para mim ou para minha família. Garanto que não paguei com a mesma moeda. Mas, não tenham pressa. O de vocês está guardado. Se continuará guardado ou não, caberá à minha evolução espiritual, ao degrau que eu conseguir subir na escada do perdão, decidir!
Ainda bem que não precisei abrir as portas da vingança. A punição para estas pessoas malignas veio de outras fontes. Tentarei mantê-las fechadas…
E que a luz, a paz e o amor prevaleçam!
E você? Quantos pecados cometeu? Quantos você perdoou?

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