Pará registra aumento de 20% nos casos de feminicídio e mais de 19 mil ocorrências de agressão contra a mulher

A cada uma hora, cerca de dois casos de violência contra mulher são registrados na Grande Belém. De acordo com a Polícia Civil, no último ano, foram mais de 14 mil relatos de agressão apenas na região metropolitana. Em todo o estado, no mesmo período, foram mais de 19 mil ocorrências, um aumento de 14% em relação a 2017. Os casos de feminicídio cresceram 20%. O Monitor da Violência, projeto de monitoramento de dados de crimes desenvolvido pelo G1 em todo o Brasil, o Pará é o 7º estado com mais mulheres vítimas de homicídios e 8º em número de feminicídios.

                              Violência contra a mulher no Pará

Apesar de o Pará contar com 15 delegacias especializadas, vítimas relatam a falta de acolhimento no momento das denúncias, o que propicia os sub registros desse tipo de agressão.

“Quando a gente entra na delegacia, a primeira coisa que eles fazem é te deixar na dúvida. É como se fosse meu ex-marido falando. É um tom de ameaça. Foi essa a sensação. Eles mostravam todos os contras. Eu me senti intimidada. Estava constrangida e não recebi um bom tratamento. Não me senti amparada por conta da sensibilidade da situação”, relata C., que foi vítima de violência doméstica durante 16 anos – em entrevista ao G1 a mulher pediu para não ser identificada.

  1. relata que desde a infância é vítima de abusos. Empregada doméstica desde os sete anos, quando saiu de Concórdia do Pará atrás de uma oportunidade de estudo em Belém, a mulher conta que sofreu agressões físicas e psicológicas na casa de duas famílias na capital. “Na primeira casa me batiam, escondiam comida, me deixavam com fome e me humilhavam muito. Na outra casa era pior. Além de fazer o serviço doméstico, eu tinha que cuidar de duas crianças. Nesse período, eu reprovei a 5ª série”, relata.

Anos mais tarde, C. se casou e um novo ciclo de violência se iniciou. “Tive três filhos e vivi com o meu ex-marido por 16 anos. Ele era muito machista e me impedia de trabalhar e estudar. Até que teve um momento que eu decidi que precisava sair disso. Há cinco anos eu me separei. Ele me ameaçou de morte, ameaçava tirar meus filhos. Ele fazia o pior tipo de violência: a psicológica. Mexer com sua mente acaba com a sua capacidade de pensar”, diz.

  1. explica que, mesmo com a denúncia formalizada na delegacia, ela nunca chegou a solicitar medida protetiva, com receio de represálias do ex-marido. “A lei Maria da Penha tem muitas falhas. Eles não têm uma opção de tratamento. Se eu pedisse medida protetiva, quem tinha que se escondeu era eu. A gente não se sente protegida pela lei. Eu me senti como as dezenas de mulheres que eu conheço que ficam com medo. Não basta só conseguir as leis. Tem que ir fiscalizando”, explica.
A delegada Priscila Morgado, da Polícia Civil do Pará — Foto AscomPC

                                             Números da violência

Dados do Pará revelam que a violência atinge mulheres de todas as classes sociais e níveis de escolaridade. A maioria das denúncias são de ameaças e de lesão corporal leve. De acordo com a delegada Priscila Morgado, diretora de Atendimento a Grupos Vulneráveis da Polícia Civil, a maioria das mulheres já busca a delegacia solicitando medida protetiva para afastar o agressor.

“Hoje, como o descumprimento de medida protetiva é crime, muitos agressores têm medo de serem presos. Nos poucos casos em que a medida é descumprida, a vítima pode ser levada para um dos abrigos da Polícia Civil, onde será acolhida”, explica a delegada.

Segundo o Monitor da Violência, projeto desenvolvido pelo G1 em todo o país, o Pará é o oitavo estado do país mais violento para as mulheres. Foram registrados 58 feminicídios em 2018; além de 253 assassinatos cujas vítimas foram mulheres. No período, no total, 311 foram mortas.

De acordo com a Segup, foram 59 feminicídios em 2018, número 20% maior do que o registrado em 2017. Apesar do aumento alarmante de vítimas fatais, a delegada ainda afirma que, “levando em consideração o número de ocorrências que nós recebemos, os casos de feminicídio são poucos”.

“Os casos que recebemos são, geralmente, de mulheres que não nunca fizeram nenhum tipo de denúncia. Se não tivermos o depoimento da mulher, não conseguimos comprovar a agressão. A mulher tem que está consciente do que quer para dar depoimento. O depoimento é fundamental”, disse a delegada.

Advogada Natasha Vasconcelos, ativista pelo direito das mulheres — Foto: Arquivo Pessoal

                                            Fragilidades da lei

A lei Maria da Penha, promulgada há 13 anos, é considerada o marco legal de enfrentamento à violência contra a mulher. Em 2015, a lei do feminicídio, que considera crimes cometidos motivados por questões de gênero, também reforça os instrumentos legais de proteção à mulher.

“Todos esses instrumentos legais buscam diminuir as desvantagens das mulheres em face do processo de socialização diferenciado dos homens. Porém, a legislação por si não é capaz de proteger a vítima. É necessária uma ampla rede multidisciplinar de atendimento. É fundamental que profissionais da saúde e do sistema de justiça trabalhem com a perspectiva de gênero, sabendo que existe uma desigualdade social que abala a isonomia jurídica e que muitas vezes dificulta a atuação estatal no amparo dessas vítimas”, explica a ativista e presidente da Comissão da Mulher Advogada, Natasha Vasconcelos.

Para a magistrada, a mudança de perspectiva é recente, já que a própria legislação e o sistema de segurança pública naturalizaram durante muito tempo a violência contra a mulher. “Estamos falando de uma legislação de 2006 e 2015 contra uma da década de 1940 que, durante muitos anos, naturalizou o feminicídio como um crime passional”, critica.

“Recentemente o juiz – e agora Ministro – Sérgio Moro voltou a tratar a questão como passional. O movimento feminista, desde a década de 1980, vem pautando a campanha ‘Quem ama, não mata’ justamente para desmistificar essa ideia de amor atrelada à violência, que ainda é perpetuada na nossa cultura”, frisa.

Natasha reforça que a responsabilidade pela mudança de valores que justificam a agressão e a morte de mulheres é de toda a sociedade.

“Como diz Chimamanda Ngozi Adichie: a cultura não faz as pessoas. As pessoas fazem a cultura. Cada um de nós tem responsabilidade na perpetuação da violência contra mulher, seja no assédio vestido de piadinha, seja diante de um caso de violência não denunciado”.

Por Gil Sóter e Caio Maia*, G1 PA — Belém

 

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